Obrigatoriedade do curso de formação, comprovar presença nas aulas pela impressão digital e prova teórica online são algumas medidas que o Detran adotou na última década para garantir a formação de um bom condutor. Mas nem todo o aparato tecnológico - para suprir também a deficiência de recursos humanos – parece conseguir acabar com a “máfia da habilitação”. O esquema de burlar as aulas teóricas e práticas é comum no país e no Rio Grande do Norte não é diferente. Ana (nome fictício para preservar a identidade da entrevistada) é uma prova disso. Após uma semana de aulas teóricas na autoescola, optou por gastar o tempo restante de sala em casa. “A turma era desnivelada, achei mais produtivo estudar em casa, que não teria tempo porque trabalho. Só tirava as dúvidas com o instrutor”. Isso foi possível porque ela mora perto da escola. Aprovada na primeira tentativa do exame teórico, ela se prepara para a segunda etapa – a direção - mas diz que os R$400 investidos no curso deveriam ser gastos em mais aula práticas.
“Elas é que vão formar o bom condutor”, opina. Um instrutor de autoescola no Estado falou à reportagem da TRIBUNA DO NORTE sobre como funcionam as fraudes para a obter a Carteira Nacional de Habilitação. Ronaldo* (nome fictício) explica que as irregularidades ocorrem pela falta de fiscalização efetiva por parte do Departamento Nacional de Trânsito. Há 30 anos o órgão não realiza concurso público para repor e ampliar o quadro de servidores. Assim, os alunos ficam livres para subornar as autoescolas, e quem não aceita essa prática pode acabar de portas fechadas. “Ficamos em situação difícil, se tentamos explicar a importância das aulas, o aluno pede o dinheiro de volta e faz em outra escola. Estamos sem autonomia de informar à empresa que gerencia o sistema digital para cancelar aula do aluno que não permanecer em sala”, diz.
Mas existe o outro lado: Ronaldo diz ser alvejado por alunos que pedem sua ajuda para facilitar desde a prova teórica. Não bastasse abrir mão da teoria, a situação fica ainda mais séria nas aulas e exames práticos para obter a primeira CNH. O esquema de propina parte muitas vezes da própria autoescola, explica Ronaldo, que é instrutor há mais de 10 anos.
Além de não frequentar as aulas práticas na rua, os alunos “molham a mão” de examinadores para passar no exame de direção.O esquema acaba por beneficiar as autoescolas, que podem matricular mais alunos do que o espaço físico e horários de aula que comportam. Às vezes, antes do candidato mencionar a “ajuda extra”, os instrutores sugerem subornar o examinador no Detran, com valores que variam de R$100 a R$150, em média.
Ana calcula que 40% dos alunos de sua turma teórica não viu as aulas, mas para Ronaldo o índice é maior, chegando a 50%. “Tenho um bom público na sala, mas um bom fora dela também”. Ele explica que a prática é mais comum em pessoas que chegam à autoescola com conhecimento de direção, e geralmente são universitários.
Trabalho e aulas na faculdade são desculpas frequentes para evitar as 45 horas de aulas teóricas exigidas pelo Detran. Os índices de acidentes em trânsito mostram, na opinião do instrutor, que as aulas fazem a diferença.
“A estatística de acidentes aumentou e devia ter baixado, porque o Código de Trânsito Brasileiro tem 12 anos e desde então as aulas teóricas são obrigatórias aos candidatos à habilitação”, diz.
Detran abre processo contra duas autoescolas
De 2007 até hoje, o Detran/RN fechou 14 autoescolas por irregularidades diversas. Em outro caso isolado uma escola foi fechada pela Justiça por estar envolvida em uma fraude nacional com uso de cola especial que imitava a digital do aluno, dispensando sua ida à autoescola para o registro biométrico. Hoje, duas escolas são investigadas, e o processo está em andamento, permitindo a defesa delas na Justiça.
A procura pela autorização para abrir novas autoescolas é tão grande, segundo Luis Antonio, que em 2009 o Detran/RN suspendeu a emissão de licenças de junho a dezembro de 2009. O Estado tem 99 autoescolas habilitadas para ministrar o curso preparatório para os exames do Detran. Destas, oito foram abertas já em 2010. “Analisamos aplicar novamente a medida de suspender novas licençar temporariamente”, diz Luís.
Ele admite que o Detran/RN está no limite de sua capacidade de fiscalizar, mas lembra que o órgão busca novas medidas para evitar as fraudes e não é o único responsável pelos motoristas que estão nas ruas. “A sociedade como um todo tem participação nisso. Do pai que ensina o filho a dirigir às autoescolas e alunos coniventes com as irregularidades”.
O subcoordenador do setor de Controladoria do Detran/RN, Antônio de Pádua, diz que a penalidade depende da infração. Se o problema for restrito a um instrutor, por exemplo, a licença para dar aulas pode ser suspensa. Se o problema for na estrutura da auto escola, ela pode ser obrigada a fechar até que se adeque. “A escola tem o direito à defesa, não fazemos nada arbitrário”, lembra.
A comissão de fiscalização é bastante reduzida. O quadro passou recentemente de três para cinco servidores,para atender a demanda de todo o Estado. Vale lembrar que os fiscais não verificam apenas a presença do aluno na sala, mas também se ela oferece o ambiente adequado para as aulas. É verificado o padrão exigido da metragem por número alunos, banheiro na sala e etc.
“Para fiscalizar a aula prática fica ainda mais difícil porque os veículos estão nas ruas”, diz. Por isso, as infrações mais comuns chegam via denúncia pelo serviço de Ouvidoria. “Quando ligam, vamos em cima, montamos algo mais específico. Mas no dia a dia, as visitas são de surpresa, revezando os locais”, explica.
Pelo menos 14% dos alunos foram reprovados
Na cadeia de circunstâncias que contribuem para formar o mau aluno, Ronaldo aponta ainda o nível de dificuldade das provas teóricas. “A minha foi muito fácil, me chateei de ter me empenhado tanto. Mal caiu uma questão de mecânica, que tinha mais dificuldade”, diz Ana. Para o instrutor, isso torna inviável a exigência das autoescolas junto ao aluno.
“Chegou ao ponto de ex-alunos que não fizeram aula virem me dizer que passaram”, critica. Para ele, se o Detran avaliasse corretamente, o índice de reprovação aumentaria e o aluno teria mais interesse em assistir ao conteúdo. De janeiro a maio deste ano, 14% dos testes teóricos resultaram em reprovação, e 6% na prova prática, no mesmo período.
Frente a esses números, Luís Antônio Lopes, coordenador de Habilitação rebate que o índice seja baixo. “São estatísticas razoáveis. Tentativas de fraude na prova já acarretaram em exoneração de servidor antigo e expulsão de estagiário”. A própria marcação da data dos exames é complicada. Segundo Ronaldo, os alunos reclamam que ninguém atende o telefone ou a linha está sempre ocupada.
“Isso força o candidato a ir ao Detran, até mais de uma vez se não conseguir vaga no dia”, diz. Para ele, o Detran é um órgão político. “30% do quadro é efetivo e o restante é só estagiário. Assim, o usuário perde, não é bem atendido pelo o estagiário despreparado, que erra em vários aspectos, como no registro emissão de carteira”, diz Ronaldo.
A universitária Jenifer Barreto, 21, realiza as primeiras aulas práticas e diariamente enfrenta um problema para aceitação da sua digital no leitor biométrico. A primeira leitura que arquiva sua digital foi mal feita no Detran, e ela é obrigada a ser fotografada para comprovar que assistiu às aulas. O proprietário da auto escola em que Jenifer estuda, Pedro Batista, comenta que o fato é comum.
Segundo ele,o cadastro é feito geralmente por estagiários, que não fazem a leitura de mais de um dedo, e quando chega à auto escola, o leitor não reconhece a digital do aluno. “No caso de Jenifer, ele registrou apenas um dedo polegar, e poderia ter colocado também o outro polegar e os dois indicadores, para garantir”.
Aulas práticas à noite dividem opiniões de escolas e alunos
A nova resolução nº 347, que determina um mínimo de quatro horas práticas no período noturno, é polêmica. A medida foi tomada após se verificar estatisticamente que houve muito acidente à noite com pessoas de primeira habilitação. Mas se para assistir aulas não faltam desculpas, pior se o horário delas é restrito. Um questionamento que se tem feito é: como o Detran vai cobrar esse conhecimento, se os exames práticos são diurnos?
Para o instrutor da autoescola Drive, Pedro Batista da Silva, a lei tem dois lados. “É ruim para alunos que só podem ter aula durante o dia, em que a visibilidade é melhor. Mas depois de aprender a dirigir, naturalmente se sabe fazer isso a qualquer hora”. Com exceção dos alunos em idade mais avançada que possam ter problemas de visão, ele diz que não há dificuldades de se dirigir.
Outra questão complicada é o caso das motocicletas, que fazem aulas em terrenos baldios sem nenhuma iluminação. Os terreno são alugados pelas autoescolas. Um deles fica próximo ao Instituto Juvino Barreto. Os cones são feitos de garrafa pet cheias com areia. “A pista de moto é iluminada praticamente só com o farol da moto, Tem também a questão de assalto, é perigos”, diz Pedro Batista.
Por outro lado, ele comenta a importância das aulas à noite. “O aluno precisa ter noção do que é o farol do carro, testar se a sua visão se é boa, porque às vezes faz o exame de vista e fica a desejar”.
Fonte: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/a-mafia-da-habilitacao-no-rn/149100
“Elas é que vão formar o bom condutor”, opina. Um instrutor de autoescola no Estado falou à reportagem da TRIBUNA DO NORTE sobre como funcionam as fraudes para a obter a Carteira Nacional de Habilitação. Ronaldo* (nome fictício) explica que as irregularidades ocorrem pela falta de fiscalização efetiva por parte do Departamento Nacional de Trânsito. Há 30 anos o órgão não realiza concurso público para repor e ampliar o quadro de servidores. Assim, os alunos ficam livres para subornar as autoescolas, e quem não aceita essa prática pode acabar de portas fechadas. “Ficamos em situação difícil, se tentamos explicar a importância das aulas, o aluno pede o dinheiro de volta e faz em outra escola. Estamos sem autonomia de informar à empresa que gerencia o sistema digital para cancelar aula do aluno que não permanecer em sala”, diz.
Mas existe o outro lado: Ronaldo diz ser alvejado por alunos que pedem sua ajuda para facilitar desde a prova teórica. Não bastasse abrir mão da teoria, a situação fica ainda mais séria nas aulas e exames práticos para obter a primeira CNH. O esquema de propina parte muitas vezes da própria autoescola, explica Ronaldo, que é instrutor há mais de 10 anos.
Além de não frequentar as aulas práticas na rua, os alunos “molham a mão” de examinadores para passar no exame de direção.O esquema acaba por beneficiar as autoescolas, que podem matricular mais alunos do que o espaço físico e horários de aula que comportam. Às vezes, antes do candidato mencionar a “ajuda extra”, os instrutores sugerem subornar o examinador no Detran, com valores que variam de R$100 a R$150, em média.
Ana calcula que 40% dos alunos de sua turma teórica não viu as aulas, mas para Ronaldo o índice é maior, chegando a 50%. “Tenho um bom público na sala, mas um bom fora dela também”. Ele explica que a prática é mais comum em pessoas que chegam à autoescola com conhecimento de direção, e geralmente são universitários.
Trabalho e aulas na faculdade são desculpas frequentes para evitar as 45 horas de aulas teóricas exigidas pelo Detran. Os índices de acidentes em trânsito mostram, na opinião do instrutor, que as aulas fazem a diferença.
“A estatística de acidentes aumentou e devia ter baixado, porque o Código de Trânsito Brasileiro tem 12 anos e desde então as aulas teóricas são obrigatórias aos candidatos à habilitação”, diz.
Detran abre processo contra duas autoescolas
De 2007 até hoje, o Detran/RN fechou 14 autoescolas por irregularidades diversas. Em outro caso isolado uma escola foi fechada pela Justiça por estar envolvida em uma fraude nacional com uso de cola especial que imitava a digital do aluno, dispensando sua ida à autoescola para o registro biométrico. Hoje, duas escolas são investigadas, e o processo está em andamento, permitindo a defesa delas na Justiça.
A procura pela autorização para abrir novas autoescolas é tão grande, segundo Luis Antonio, que em 2009 o Detran/RN suspendeu a emissão de licenças de junho a dezembro de 2009. O Estado tem 99 autoescolas habilitadas para ministrar o curso preparatório para os exames do Detran. Destas, oito foram abertas já em 2010. “Analisamos aplicar novamente a medida de suspender novas licençar temporariamente”, diz Luís.
Ele admite que o Detran/RN está no limite de sua capacidade de fiscalizar, mas lembra que o órgão busca novas medidas para evitar as fraudes e não é o único responsável pelos motoristas que estão nas ruas. “A sociedade como um todo tem participação nisso. Do pai que ensina o filho a dirigir às autoescolas e alunos coniventes com as irregularidades”.
O subcoordenador do setor de Controladoria do Detran/RN, Antônio de Pádua, diz que a penalidade depende da infração. Se o problema for restrito a um instrutor, por exemplo, a licença para dar aulas pode ser suspensa. Se o problema for na estrutura da auto escola, ela pode ser obrigada a fechar até que se adeque. “A escola tem o direito à defesa, não fazemos nada arbitrário”, lembra.
A comissão de fiscalização é bastante reduzida. O quadro passou recentemente de três para cinco servidores,para atender a demanda de todo o Estado. Vale lembrar que os fiscais não verificam apenas a presença do aluno na sala, mas também se ela oferece o ambiente adequado para as aulas. É verificado o padrão exigido da metragem por número alunos, banheiro na sala e etc.
“Para fiscalizar a aula prática fica ainda mais difícil porque os veículos estão nas ruas”, diz. Por isso, as infrações mais comuns chegam via denúncia pelo serviço de Ouvidoria. “Quando ligam, vamos em cima, montamos algo mais específico. Mas no dia a dia, as visitas são de surpresa, revezando os locais”, explica.
Pelo menos 14% dos alunos foram reprovados
Na cadeia de circunstâncias que contribuem para formar o mau aluno, Ronaldo aponta ainda o nível de dificuldade das provas teóricas. “A minha foi muito fácil, me chateei de ter me empenhado tanto. Mal caiu uma questão de mecânica, que tinha mais dificuldade”, diz Ana. Para o instrutor, isso torna inviável a exigência das autoescolas junto ao aluno.
“Chegou ao ponto de ex-alunos que não fizeram aula virem me dizer que passaram”, critica. Para ele, se o Detran avaliasse corretamente, o índice de reprovação aumentaria e o aluno teria mais interesse em assistir ao conteúdo. De janeiro a maio deste ano, 14% dos testes teóricos resultaram em reprovação, e 6% na prova prática, no mesmo período.
Frente a esses números, Luís Antônio Lopes, coordenador de Habilitação rebate que o índice seja baixo. “São estatísticas razoáveis. Tentativas de fraude na prova já acarretaram em exoneração de servidor antigo e expulsão de estagiário”. A própria marcação da data dos exames é complicada. Segundo Ronaldo, os alunos reclamam que ninguém atende o telefone ou a linha está sempre ocupada.
“Isso força o candidato a ir ao Detran, até mais de uma vez se não conseguir vaga no dia”, diz. Para ele, o Detran é um órgão político. “30% do quadro é efetivo e o restante é só estagiário. Assim, o usuário perde, não é bem atendido pelo o estagiário despreparado, que erra em vários aspectos, como no registro emissão de carteira”, diz Ronaldo.
A universitária Jenifer Barreto, 21, realiza as primeiras aulas práticas e diariamente enfrenta um problema para aceitação da sua digital no leitor biométrico. A primeira leitura que arquiva sua digital foi mal feita no Detran, e ela é obrigada a ser fotografada para comprovar que assistiu às aulas. O proprietário da auto escola em que Jenifer estuda, Pedro Batista, comenta que o fato é comum.
Segundo ele,o cadastro é feito geralmente por estagiários, que não fazem a leitura de mais de um dedo, e quando chega à auto escola, o leitor não reconhece a digital do aluno. “No caso de Jenifer, ele registrou apenas um dedo polegar, e poderia ter colocado também o outro polegar e os dois indicadores, para garantir”.
Aulas práticas à noite dividem opiniões de escolas e alunos
A nova resolução nº 347, que determina um mínimo de quatro horas práticas no período noturno, é polêmica. A medida foi tomada após se verificar estatisticamente que houve muito acidente à noite com pessoas de primeira habilitação. Mas se para assistir aulas não faltam desculpas, pior se o horário delas é restrito. Um questionamento que se tem feito é: como o Detran vai cobrar esse conhecimento, se os exames práticos são diurnos?
Para o instrutor da autoescola Drive, Pedro Batista da Silva, a lei tem dois lados. “É ruim para alunos que só podem ter aula durante o dia, em que a visibilidade é melhor. Mas depois de aprender a dirigir, naturalmente se sabe fazer isso a qualquer hora”. Com exceção dos alunos em idade mais avançada que possam ter problemas de visão, ele diz que não há dificuldades de se dirigir.
Outra questão complicada é o caso das motocicletas, que fazem aulas em terrenos baldios sem nenhuma iluminação. Os terreno são alugados pelas autoescolas. Um deles fica próximo ao Instituto Juvino Barreto. Os cones são feitos de garrafa pet cheias com areia. “A pista de moto é iluminada praticamente só com o farol da moto, Tem também a questão de assalto, é perigos”, diz Pedro Batista.
Por outro lado, ele comenta a importância das aulas à noite. “O aluno precisa ter noção do que é o farol do carro, testar se a sua visão se é boa, porque às vezes faz o exame de vista e fica a desejar”.
Fonte: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/a-mafia-da-habilitacao-no-rn/149100
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