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sexta-feira, 10 de julho de 2015

Em 1977, América-RN vence estadual na bola, no tapetão e na porrada


Decisão contra o ABC tem briga generalizada e árbitro expulsa todos os jogadores, titulares e reservas, além das comissões técnicas. Confusão vira documentário

A final do Campeonato Potiguar de 1977 poderia ter se perdido na história como apenas mais um título do América-RN sobre seu maior rival, o ABC. Mas o que marcou a partida disputada em 18 de setembro daquele ano, no antigo Estádio Castelão, foi a confusão generalizada que fez com que o árbitro paulista José Faville Neto encerrasse a partida aos 29 minutos do segundo tempo. Todo mundo foi expulso e a conquista só foi confirmada no tapetão.
América-RN 100 anos América-RN x ABC - 1977 (Foto: Reprodução/Diário de Natal)Final de 1977 acabou em pancadaria no antigo Estádio Castelão (Foto: Reprodução/Diário de Natal)
Após campanhas iguais, com 15 vitórias, dois empates e três derrotas, América e ABC se encontraram na final do estadual para decidir mais um campeonato. O Mecão jogava pelo empate, pois havia vencido dois dos três turnos previstos no regulamento, contra um do ABC. Alberi, maior ídolo do rival alvinegro, tinha se transferido para o América um ano antes, sendo vice-campeão. Em 77, porém, o América chegava como favorito.
Do lado do ABC, havia um pacto: não deixar o América dar a volta olímpica porque Alberi estava no Mecão e a torcida alvinegra não iria gostar. Se não desse para vencer em campo, que se usasse outro artifício. Ídolo alvirrubro, o ex-lateral Ivan Silva recordou o clima tenso do jogo.
- Apesar de eles (a diretoria) nos deixarem muito de fora do que estava acontecendo, tínhamos noção de que talvez o jogo não fosse até o fim, mas também não sabíamos como seria feito - disse o lateral.
Tribuna do Norte - 1977 (Foto: Reprodução)Primeira página da Tribuna do Norte destaca confusão da decisão de 1977 (Foto: Reprodução)
O equilíbrio no jogo persistiu no placar até que aos 29 minutos do segundo tempo uma falta foi marcada. O jornal Diário de Natal, no dia seguinte à partida, descreveu o lance da seguinte forma. "Ivanildo fez a falta próxima à grande área de defesa do América, marcada por Faville Neto e insistiu na reclamação, desentendendo-se com Ânderson. O juiz expulsou os dois. Próximo à bola, Danilo Menezes levou um empurrão de Joel. E revidou. Perto deles, Zeca e Ânderson discutiram. O centroavante do ABC, então, partiu para a agressão, só não conseguindo porque Zeca fugiu da briga em disparada correndo (...)". De acordo com Ivan Silva, a falta teria sido próxima à área do ABC.
- A gente se reuniu ali perto da área do ABC, naquele empurra-empurra, quando Danilo olhou para o Ânderson e fez: 'Tá na hora'. A hora eu não sei qual era, mas ele chegou a partir para cima de mim. O próprio Danilo fez 'não, esse não', aí o Ânderson correu para cima do Zeca, que já estava prevenido e evitou a briga para configurar que o ABC é que estava ocasionando a confusão - relatou Ivan Silva.

Com a confusão generalizada, a polícia teve que intervir. Ivan Silva relatou o momento que o árbitro decidiu encerrar a partida.
- Depois da confusão, a polícia conseguiu conter os jogadores do América dentro do círculo central. Quando o árbitro perguntou se já havia condições de retomar o jogo, Noé Silva bateu no capacete de um policial, que se virou e acertou com o cassetete um jogador do ABC, acho até que sem querer. Aí fechou o tempo de novo e o juiz expulsou todo mundo de campo - disse Ivan.
América-RN 100 anos: Ivan Silva, ex-jogador (Foto: Carlos Arthur da Cruz)Ivan Silva relembra confusão da final de 1977: 'Não participei' (Foto: Carlos Arthur da Cruz)
O Diário de Natal também relatou a decisão do árbitro. "O juiz da partida foi taxativo: 'Está expulso todo mundo. Jogadores, técnicos, médicos, preparadores físicos e jogadores reservas'. Depois retirou-se para o vestiário", anunciava a matéria publicada na segunda-feira, 19 de setembro de 1977.

Apesar das expulsões, Ivan Silva relembra que nem todos participaram da briga.
- Eu mesmo fiquei embaixo da trave conversando com Noé Soares, do ABC, e achando aquilo uma besteira. Todo mundo se conhecia, não precisava de uma coisa daquelas - relatou.

Com o jogo encerrado, não houve volta olímpica, como o ABC havia premeditado. O título de 77 acabou sendo decidido no tribunal. A questão chegou até o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, no Rio de Janeiro, que, por sete votos a zero, decidiu que o troféu deveria ficar com o América, campeão potiguar de 77 na bola, no tapetão e na pancadaria. 
Alberi x Pradera

Apesar da confusão generalizada, uma briga tomou conta da crônica esportiva e do imaginário popular do Rio Grande do Norte. O embate entre Alberi, então meio-campo do América, e Pedro Pradera, zagueiro do ABC, famoso por ser "faixa preta". Alberi teria acertado um chute na orelha do adversário, e, 38 anos depois, lembra que a confusão provocada pelo ABC foi um absurdo.
América-RN 100 anos - Alberi x Danilo Menezes (Foto: Ribamar Cavalcante/Arquivo Pessoal)Alberi com a camisa do América: campeão em 77 contra o ex-clube (Foto: Ribamar Cavalcante/Arquivo Pessoal)

- Aquilo ali foi um negócio que eu fiz só pra me defender. Eu não gosto nem de falar daquilo porque foi uma situação que não era para ter acontecido. Não precisava daquela confusão. Ganha quem é melhor em campo e acabou - comentou.
América-RN 100 anos - Revista Placar - título de 1977 do América-RN (Foto: Reprodução)Revista Placar também destacou confusão da final de 1977 (Foto: Reprodução)
Segundo Ivan Silva, Pradera foi o único que saiu sangrando de campo. Furioso com a situação, o zagueiro teria dado entrevistas às rádios de Natal dizendo que ia bater no primeiro jogador do América que encontrasse na rua. E olha o que aconteceu:

- Havia um mercadinho chamado Mini-preço, localizado na avenida Salgado Filho, próximo ao Castelão. No dia seguinte eu estava lá com minha mulher quando dei de frente com Pradera. Eu virei pra ela e disse: 'Olhe, você vá pra bem longe porque Pradera vem aí e o homem é muito grande, não vai dar pra segurar ele aqui. Mas quando ele vier eu derrubo essas latas tudinho e alguém vai ter que vir me socorrer'. Mas quando ele chegou, me cumprimentou. Ele sabia que eu não era de confusão - relembrou Ivan aos risos.
Virou documentário

"A batalha campal de 77". Foi assim que um grupo de estudantes de jornalismo da Universidade Potiguar definiu aquela final do Campeonato Potiguar, em documentário produzido em 2015, em projeto integrado das disciplinas "História e Atualidades em Jornalismo", "Linguagem Audiovisual" e "Ciências da Linguagem". O vídeo pode ser conferido abaixo:

Acesse a página especial do centenário do América-RN no globoesporte.globo.com/rn.

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