Um novo concurso do Tribunal de Justiça do Amazonas era a chance que muitos jovens formados em Direito esperavam naquele 2015. O edital previa 23 novas vagas de juízes e um salário inicial de R$ 24,6 mil. Nada mal para um emprego garantido até os 70 anos.
Dois filhos de uma desembargadora e a sobrinha de um desembargador se candidataram: os gêmeos Igor e Yuri Caminha Jorge, filhos da desembargadora Nélia Caminha, e Rebecca Ailen Nogueira Vieira, sobrinha do desembargador Lafayette Vieira, corregedor do tribunal.
Quando saiu o resultado, em junho de 2017, o trio viveu um misto de euforia e decepção. Eles haviam passado na prova, mas longe das 23 vagas – os gêmeos ficaram no 34º e 43º lugar. Rebecca estava numa situação ainda mais delicada: garantiu a 51ª posição. Era praticamente impossível que ela assumisse uma vaga. Pelo menos 28 concorrentes teriam de abrir mão dos privilégios do Judiciário amazonense para que Rebecca pudesse vestir a toga.
Mas havia esperança. Segundo o edital do concurso, o tribunal poderia ampliar a quantidade de vagas de acordo com a “necessidade do serviço”. Bastava à presidência da casa mexer no orçamento para acomodar mais juízes. Além disso, o Judiciário local trata bem os familiares de desembargadores. Identifiquei sete famílias com grande influência para agregar parentes no tribunal.
São ao menos 27 juízes, desembargadores ou funcionários que dividem sobrenomes. Pelo menos 19 dessas pessoas foram indicadas para cargos de confiança que pagam gratificação, e outras duas entraram no tribunal sem concurso público. No levantamento, considerei apenas os servidores com os vínculos confirmados pela assessoria de imprensa do tribunal e por outras pessoas com quem conversei quando estive em Manaus. Atualmente, o TJ do Amazonas tem 26 desembargadores e 173 juízes na ativa.
A sorte de Rebecca e dos gêmeos começou a mudar depois de uma reunião realizada uma semana depois da publicação do resultado do concurso. Acompanhado da mãe, a desembargadora Nélia Caminha, um dos gêmeos participou de uma reunião entre o presidente do tribunal à época, o desembargador Flávio Humberto Pascarelli, e uma comissão de aprovados. A pauta, como me contou um dos presentes à reunião, que preferiu não se identificar: a necessidade de agilizar a nomeação dos novos juízes.
Um mês depois, no dia 12 de julho de 2017, o tribunal encaminhou um projeto de lei que criava 12 cargos de juízes auxiliares. A proposta foi apresentada à Assembleia Legislativa amazonense e aprovada por unanimidade.
Cinco candidatos desistiram das vagas e, em janeiro de 2018, o que até então parecia um milagre aconteceu: o tribunal achou espaço para mais juízes. Até aquele dia, Rebecca havia sido a última a conquistar a vaga.
A posse ocorreu numa festejada solenidade no tribunal. Os desembargadores Nélia e Lafayette acompanharam a cerimônia. A mãe estava orgulhosa pelos filhos, e o tio emocionado com a sobrinha. O site Fatos Marcantes a descreveu como “o feito de famílias que têm em seu gene o dom da magistratura e tiveram mais de um membro aprovado em um dos concursos mais difíceis no país”. *The Intercept Brasil
JP
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