Sempre que nos deparamos com uma crise, seja ela qual for,
financeira, política, e neste caso no sistema prisional, nos damos conta que
elas sempre existiram e que nós não fizemos o suficiente para impedi-las.
Percebemos que sabíamos pouco sobre ela e que existem muitas coisas por trás e
muito lixo por debaixo do tapete.
Enquanto autoridades, cientistas políticos e especialistas em
segurança pública jogam de mão em mão a responsabilidade com a crise, o crime
organizado segue fortalecido e dominante e a população permanece amedrontada,
construindo um entendimento que a única solução para a punição dos delitos seja
o encarceramento ou até a morte; que a cultura da violência, barbárie e
carnificina podem trazer a limpeza, a depuração social e que o autoritarismo
retomará a paz e a ordem pública.
A cultura da violência em nossa sociedade é latente, pujante
e metastática de modo que as disputas deixam de ser vencidas pela lógica,
argumentação e retórica, passando a ser vencidas pela força, violência e morte.
Sem generalizações ou preconceitos é importante que descortinemos a realidade
social segregadora e levantemos o tapete em busca do lixo que esquecemos lá por
baixo.
Nos últimos dias, constatamos nas redes sociais e demais
meios de comunicação uma “enxurrada” de imagens e vídeos chocantes de cenas
violentas, barbáries e carnificinas dentro dos presídios brasileiros. A
realidade de violência nas unidades prisionais que não seria nenhuma novidade,
traz como pano de fundo uma disputa de dominação de rotas de tráfico e
hegemonia de um poder paralelo. A vitória momentânea ou permanente com
“rankings” de mortes, sejam elas de qualquer “facção”, como se fossem gols de
um time de futebol, apenas fortalece a hegemonia de um ou de outro grupo e
consequentemente essa violência se reflete nas ruas, uma vez que as ações
externas são comandadas pelas lideranças que estão dentro dos presídios.
Durante as rebeliões, nos deparamos com vídeos gravados e
compartilhados pelos próprios presidiários, muitos armados, violentos e sem
nenhum pudor, falam e exibem suas identidades. Talvez pela certeza de
impunidade e/ou pela certeza do poder de suas facções. A quantidade de armas e
celulares no interior dos presídios brasileiros impressiona e indigna toda
sociedade que se pergunta, como acontece o acesso a esses materiais?
Infelizmente, recai sob a responsabilidade de policiais e agentes
penitenciários responsáveis pela guarda e controle de acesso. Sabemos que a
corrupção impregnada em todos os setores da sociedade brasileira, não deixaria
de atuar também nesta área. No entanto, qualquer responsabilização generalizada
desestimula e aflige os verdadeiros e bons profissionais que não pactuam com
essas práticas criminosas.
A surpresa, nisso tudo, não é ter conhecimento da guerra dos
“comandos” que ocorre nos presídios e fora deles, mas de parecer, pelos
discursos e ações dos governos, que isso é uma novidade para eles. Todos nós
sabemos que isto não é verdade. Os serviços de inteligência dos governos dos
Estados e da União, sabem muito mais do que ora se apresenta para sociedade e,
infelizmente, não se tem um plano de contingência para amenizar os danos.
Lamentavelmente os reflexos de determinadas ações, nas campanhas eleitorais,
também terminam por direcionar e amenizar o enfrentamento as organizações que
comandam o oligopólio da violência e determinam acordos entre governos e
organizações criminosas em nome da governabilidade e do “poder”.
Embora a disputa das “facções” visivelmente ocorra dentro dos
presídios é notório que não se dá pela hegemonia interna já controlada há muito
pelas lideranças criminosas, sendo o Estado submetido a praticar uma divisão
nas cadeias não pela idade, tipos de crime e grau de periculosidade como
deveria ser, mas pela agremiação a organizações criminosas. Mais do que
aparenta, a disputa se dá pela hegemonia e controle de um vantajoso mercado de
tráfico de drogas e armas que é alimentado diariamente por um exército de
usuários.
A situação que aparentemente não tem mais controle foi
construída por sucessivas falhas do poder público em renegar suas responsabilidades
com a distribuição de renda e promoção social, em elevar a qualidade de vida da
população menos favorecida, principalmente, com acesso amplo e universal ao
direito a educação de qualidade.
Outro aspecto que contribuiu para compreender esse caos é a
promiscuidade do Estado em se submeter as imposições e ameaças de um poder
paralelo, garantindo concessões, acordos de não-agressão e manutenção de
dominação em espaços geográficos.
Mas não podemos ficar inertes, apáticos e apavorados com todo
esse caos, precisamos reagrupar os setores da sociedade e do poder público,
analisar com especial atenção e rapidez de raciocínio as muitas propostas
apresentadas até o momento, e em conjunto com sociedade civil e profissionais
da segurança, buscar uma reestruturação do sistema de segurança pública e mais
especificamente do sistema prisional.
Precisamos avançar e reformular essa cultura de
encarceramento e de guerra as drogas, buscando uma restruturação, através de um
PACTO PELA VIDA.
As soluções apresentadas de construção de novos presídios e
transferências de presos, por si só, não
encaram de frente o verdadeiro problema e são soluções paliativas que tendem a
agravar e, apenas adiar, com possibilidade de maior repercussão, a crise atual.
O Estado deve ser implacável e agir com energia e força que
lhe são peculiares, respeitando e garantindo a inviolabilidade dos presos, mas
impondo a segurança e o controle do sistema.
As mudanças exigidas no sistema prisional são, sem dúvida,
uma prioridade, pois atingiríamos os motores da violência em nosso país. Não se
pode pensar isoladamente em construção de novos presídios, mas num conjunto de
ações, inseridas num PLANO ESTRATÉGICO E INTEGRADO DE SEGURANÇA PÚBLICA, que
promova a cidadania e dignidade dos profissionais da segurança pública em
relação a melhorias salariais e de condições de trabalho, assim como dos presos
com vistas a ressocialização e assistência social.
A construção de novos presídios e restruturação dos
existentes deve ter uma preocupação especial em relação a uma estrutura física
que garanta a segurança dos presidiários, dos profissionais e da sociedade e
desta forma garanta a reclusão para o total cumprimento da pena sem a
possibilidade de fuga, superlotação e de acesso a materiais indevidos.
Outro aspecto importante, é a utilização da mão de obra dos
presos com horários fixos de trabalho, ajuda e recompensas pelo trabalho e
comportamento, amenizando a pena e garantindo o sustento familiar. Os detentos
devem ser submetidos a formação acadêmica e profissional garantindo
oportunidades após o devido cumprimento da pena.
Portanto, é necessário um plano com ações coordenadas,
planejadas, executadas e avaliadas constantemente pelo poder público em
conjunto com a sociedade visando o controle do sistema.
Temos esperança e confiança no poder público e na sociedade,
pois a superação da atual crise, certamente já será uma vitória da democracia e
do Estado brasileiro, que beneficiará toda sociedade, restabelecendo a
tranquilidade e a paz social.
Por fim, enaltecemos o trabalho de homens e mulheres que
nesses momentos de crise se colocam a disposição para defender a sociedade
mesmo com o risco da própria vida. São verdadeiros heróis que todos os dias
saem de casa sem a certeza de retornar ao convívio familiar. Estes, merecem
nosso reconhecimento e total apoio.
Jeoás Santos – Policial Militar, Bacharel em Direito,
Coordenador do Comitê Político de Policiais e Bombeiros do RN e membro da
Direção do PCdoB/Natal.
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