Durante a Lei Seca nos Estados Unidos (1920–1933), o governo acreditou que banir a fabricação e o consumo de álcool diminuiria a criminalidade e protegeria a saúde pública. O resultado foi o oposto: milhares de destilarias clandestinas, contrabando em larga escala e bebidas adulteradas com metanol e outras substâncias tóxicas, que causaram cegueira, doenças e mortes. Estima-se que mais de 10 mil pessoas morreram por envenenamento naquele período.

A lição ficou registrada na história econômica: quando há escassez e preços artificialmente altos, o mercado negro floresce. A repressão e os impostos não eliminam o consumo, apenas o deslocam para o subterrâneo.

Um século depois, o Brasil revive parte desse dilema. Embora a produção e a venda de bebidas alcoólicas sejam legais, a tributação sobre destilados é tão elevada que cria um incentivo semelhante ao da proibição. De acordo com dados da Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), até 80% do preço final de um destilado como uísque, cachaça ou vodka corresponde a impostos: IPI, ICMS, PIS, Cofins e contribuições estaduais.

Essa carga transforma o produto legal em artigo de luxo e abre espaço para falsificadores e contrabandistas. Um estudo da Euromonitor estima que 36% das bebidas alcoólicas consumidas no país são ilegais, gerando perdas fiscais de R$ 28 bilhões anuais. Só em 2024, o mercado de destilados falsificados cresceu mais de 25%, impulsionado pela alta de preços e pela queda do poder de compra.

Além do impacto econômico, há riscos diretos à saúde. A chamada “crise do metanol”, com casos recentes de intoxicações e mortes, é consequência direta desse ambiente. Bebidas falsificadas utilizam álcool industrial ou solventes, produtos de limpeza e corantes para imitar marcas conhecidas.

Para o setor, o problema não será resolvido apenas com mais fiscalização. Enquanto o Estado mantiver tributos excessivos e desiguais, destilados pagando quatro ou cinco vezes mais que cervejas, por exemplo, o incentivo ao crime continuará. Como lembra o economista Roberto Nonato, “a tributação punitiva não muda hábitos, apenas empurra o consumo para o ilegal”.

Especialistas defendem que o Brasil adote um modelo mais racional de tributação, baseado no teor alcoólico e na equivalência entre categorias. Esse formato já é utilizado em países europeus e ajuda a equilibrar arrecadação e segurança sanitária.

Da Lei Seca à prateleira brasileira, o enredo é o mesmo: quando o preço se torna proibitivo, o crime descobre um negócio lucrativo. E nenhuma lei, por mais severa que seja, consegue competir com um mercado que nasce da própria distorção tributária.

BZN