Operação que mobilizou aparato técnico e humano de 100 pessoas, ao longo de 41 horas, é considerada a mais complexa do Estado até hoje,
Por Dinarte Assunção
Quando o agente penitenciário aposentado
Francisco José de Assis Guimarães, 52, cruzou a entrada do condomínio
Serra do Cabugi I, em Capim Macio, já tinha planejado todo o crime que
estarreceu Natal por 41 horas, período no qual Guimarães manteve refém
seu enteado, mobilizando um aparato policial, médico e militar de 100
pessoas, na intervenção que é considerada pelos líderes da bem sucedida
empreitada na mais complicada operação policial de que se tem notícia do
Rio Grande do Norte.
Fuzileiro naval, Guimarães tinha
conhecimento de todos os procedimentos que seriam adotados na tentativa
de abortar o cárcere privado. Ele escolheu o condomínio onde morava sua
cônjuge pelas dificuldades de acesso e engenharia e arquitetura do
local. Nos primeiros contatos com os negociadores, deixou claro seu
conhecimento a respeito do assunto.
- Ele dizia: aqui só tem uma saída e é
um lugar gradeado. Quero saber como vocês vão fazer para me tirar daqui.
– Relembrou ao portalnoar.com o major Rodrigues Barreto.
Instalado no apartamento, o agente
penitenciário disparou seis vezes contra a noite. Reuniu consigo todas
as informações que tinha sobre as táticas policiais. E não eram poucas
porque ele mesmo tinha feito um curso sobre o assunto e estava se
preparando para embarcar em um jogo de retórica com o negociador do
caso.
O negociador
A perícia de Guimarães foi, de longe, o
maior obstáculo a ser superado. Havia quatro alternativas para o caso:
tiro de execução; invasão do apartamento; utilização de artefato
semi-letal (uma bomba de gás lacrimogênio, por exemplo) e a negociação.
Com Guimarães ciente de todas as opções, restou à equipe que se instalou
no condomínio Serra do Cabugi explorar à exaustão a medida mais viável
no transcorrer do cárcere: a negociação.
O major Florêncio Júnior é um homem de
compleição firme. Tem os ombros largos e o rosto bem marcado com a
ossatura da mandíbula riscada de uma orelha à outra. Tem a fala mansa,
mas decidida. Transmite segurança nas poucas palavras que ousa
pronunciar. Parece medir cada uma delas antes de se manifestar, como se
analisasse os riscos de dizer algo inapropriado quase ao mesmo tempo em
que fala.
Nas 41 horas de cárcere, Guimarães se
recusou a falar com familiares, amigos ou qualquer outro negociador.
Havia-se estabelecido um elo entre ele e Florêncio. A cada tentativa de
persuasão emitida de qualquer outro ator desse enredo que não fosse o
major, o agente penitenciário ameaçava matar o enteado e, então, se
matar. Diante do quadro, na paciência de Florêncio foi fiada a
negociação exitosa.
- Em momento algum eu podia pensar que
algo poderia dar errado. O elementar na negociação é falar com verdade.
Isso foi o que permitiu que tudo desse certo. – Resumiu Florêncio ao
portalnoar.com. Os detalhes das conversas travadas com Guimarães são um
segredo estratégico que ele não ousa revelar.
Aparato
O Centro Integrado de Operações em
Segurança Pública registrou uma ocorrência de rotina a uma da madrugada
da sexta-feira (13) no condomínio Serra do Cabugi. Enviado à região, o
oficial da área foi o primeiro a tentar dissuadir Guimarães a abortar o
plano que se desenrolava no apartamento 206. Diante da negativa, o
policial avaliou que seria preciso a intervenção do Bope. Isolou a área
e pediu reforço.
Pouco depois da duas horas, a
tranquilidade da Rua Professora Dirce Coutinho foi quebrada com a
chegada de viaturas especiais do Batalhão de Operações Especiais. Com o
desenrolar da trama, ambulâncias e viaturas se agregaram à composição.
Quem acordou para a rotina daquela sexta-feira 13 foi tomado de surpresa
com forte esquema de segurança.
A parafernália exata do Bope é um
mistério que permanecerá com quem participou da operação. O major
Rodrigo Trigueiro, comandante do Bope, relacionou, no entanto, que o
aparato à disposição estava intrinsecamente ligado às quatro opções
táticas consideradas no esquema. Havia, portanto, artefatos semiletais
para serem usados a qualquer hora e atiradores de elite posicionados
para a execução de Guimarães.
Uma das questões que afligiu repórteres e
transeuntes que se espalharam no perímetro da operação era por que a
polícia não colocava um fim ao martírio com um tiro de misericórdia em
Guimarães. Oportunidade não faltou.
- Lembro que à certa altura, recebi de
um dos atiradores o aviso de que o alvo estava pronto. Só precisava de
uma autorização – lembrou o major Rodrigues.
No momento em que a decisão poderia ter
sido pela execução, Guimarães estava exposto na janela, com o peito nu,
sem arma alguma na mão. Era quase um pedido para que fosse assassinado.
Mas a literatura policial tem ensinado outro caminho.
- Naquele momento, ele não estava
armado, o garoto não estava em risco. Não tínhamos dúvidas de que ele
queria ser executado. Ele queria a morte porque não tinha coragem de se
suicidar, mas nossas ações se baseiam em ética, moral e jurídico. E
esses três elementos não se encontravam naquela hora. Decidimos seguir
com a negociação – explicou o major.
Pesou na decisão o perfil de Guimarães.
Sendo conhecido e sem elementos conclusivos para sua execução, além da
negociação em andamento estar sendo considerada exitosa, ele foi mantido
vivo. Como no enredo de Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, onde o
personagem central, Rodion Românovitch, tem a pena abreviada, Guimarães
foi poupado. Também como na trama russa, na de Natal deverá haver
castigo.
Exigências
Para a polícia, a motivação do crime foi
passional. E isso se traduziu na mais veemente das exigências feitas
por Guimarães. A troca que ele tentou fazer a quase todo momento era o
enteado pela irmã ou a mãe do garoto. Com ambas ele vinha tendo
desentendimentos. A primeira, inclusive, chegou a registrar ocorrência
contra o agente penitenciário aposentado.
Todas as decisões sobre o que Guimarães
pedia eram tomadas em conjunto pela equipe do gabinete de crise montado
no condomínio Serra do Cabugi. A princípio básico ao atender uma
exigência era considerar se o que estava em questão era ou não
negociável. A permuta de reféns, por exemplo, era impensável.
Por outro lado, dava para ceder em
alguns pontos. De pronto, Guimarães avisou que se a energia e água
fossem cortadas, o desfecho seria trágico para o garoto mantido refém.
Foi assim que ele se manteve informado o tempo todo sobre tudo que se
desenrolava na imprensa a respeito do caso.
Os negociadores também cederam a pedidos
de comida, que era sempre submetida primeiro ao garoto, com um lembrete
de Guimarães: se o enteado passasse mal ou adormecesse, levando-o a
crer que a comida estava envenenada, a morte selaria o destino dos
confinados no apartamento 206.
- Por isso que era importante manter o diálogo com a verdade – registrou o negociador major Florêncio.
Até detalhes minuciosos eram contados ao
agente penitenciário. A evacuação do condomínio foi um deles. A cada
movimento da polícia, Guimarães era informado da rota que seria feita e
que não eventual barulho não seria tentativa de invadir o apartamento.
- Desde o início ele colocou um sofá,
uma mesa de seis lugares contra a porta, mais algumas panelas. E tinha
avisado que se houvesse qualquer barulho, se uma panela daquelas caísse,
ele matava o garoto e se matava.
Castigo
Até o momento, os três agentes da PM que
concederam entrevista ao portalnoar.com consideram que o Guimarães
deverá ser enquadrado por cárcere privado, previsto no artigo 148 do
Código Penal, para o qual a pena é reclusão de dois a cinco anos.
Caberá à delegada Alzira Veiga, titular
da 10ª DP, onde o caso corre decidir pelo indiciamento. Em contato com a
reportagem ela confirmou apenas que a agenda das oitivas está sendo
montada para ouvir as testemunhas do caso, incluindo aí o enteado
mantido refém.
Francisco José de Assis Guimarães tentou
se matar no desfecho do caso, no fim da tarde de sábado (17), quando as
negociações produziram efeito e ele liberou o garoto. Ele cortou os
pulsos e deu um tiro no próprio queixo. Socorrido, ele está internado na
UTI do Hospital Clóvis Sarinho.
Álbum de fotos
(Foto: Divulgação/Sesed)
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