BATE-PAPO COM MARCOS DIONÍSIO, PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS
Como o senhor avalia esse crescimento no número de casos de homicídios?
Acho que, infelizmente, o governo do estado não planejou o que fazer
nesses anos, e como não planejou, agora deveria ser o momento de estar
colhendo e não tem o que colher porque não plantou nada. Nós nos
aproximamos de um período muito complicado na nossa história, que vai
ser a realização da Copa do Mundo. Não estou entrando no mérito se é bom
ou ruim a realização do evento. Independente de ser contra a a favor, é
fato que Natal vai ter uma visibilidade mundial e essa visibilidade vai
fazer com que o nosso paraíso potiguar seja visitado por milhares de
pessoas. E essas milhares de pessoas podem sair daqui frustradas no que
seria uma grande oportunidade para fazer turismo. Isso pode matar o
turismo no RN visto que há uma certa concentração dos homicídio no
corredor da Copa do Mundo. Vai começar no aeroporto de São Gonçalo do
Amarante ou de Parnamirim, duas comunidades que registram uma quantidade
imensa de homicídios.
Natal e o RN não tem condições de receber um evento desse porte?
Além de não estar preparado para receber como deveria, não está se
preparando. Não tem humildade de reconhecer que quase nada foi
preparado, quase nada foi feito. E não tem humildade para chamar um
conjunto da sociedade, instituições públicas para ver o que pode ser
feito. Para não perder essa oportunidade.
A forma que esses crimes acontecem preocupa além do normal?
É preocupante a forma, é preocupante não haver elucidação de quase
nenhum homicídio, é preocupante que nós já devemos ter no meio da nossa
população serial killers. Pessoas que mataram e o estado nunca
identificou como autor e continua a resolver suas diferenças tirando a
vida de outros. Há um componente que está associado, com certeza, ao
tráfico de drogas, há um outro componente que está associado tanto ao
tráfico de drogas quanto a grupo de extermínio formado formado por maus
policiais. E há a simbiose de todas essas facetas se encontrando. Todos
eles têm o seguinte elemento complicador: é preciso ser um crime que se
conheça. Será que porque são crimes cometidos na periferia? Será que são
porque acometem uma faixa sócio-econômica da população, baixa? Não sei.
Agora que existe essa incapacidade da Polícia Civil, Ministério Público
e de Judiciário de apontar e responsabilizar a autoria de crimes de
homicídio, isso é uma verdade. E isso funciona como um alimento
retro-alimentador e isso contribui com o aumento da violência.
Esses crimes e chacinas podem ter alguma ligação com os grupos de extermínios?
Só o que poderia responder essa pergunta seria uma investigação que
tivesse apoio da Polícia Técnica e Científica para poder responder quem
são. Mas do ponto de vista da experiência acumulada em todo o Brasil,
podemos especular que sim. Mesmo que seja envolto nessa guerra civil do
tráfico de drogas, tem a presença de maus policias. Seja protegendo o
homicida ou fornecendo armas, ou protegendo um grupo em detrimento de
outro. Talvez exista essa cortina de fumaça mascarando e escondendo
esses crimes.
O senhor acredita na existência de organizações criminosas de outras cidades atuando no Estado?
As organizações criminosas existem. Talvez não existam no sentido de
PCC, mas a associação de criminosos em quadrilhas existe e é preocupante
no RN. Preocupante porque o nosso crime, que antes era mais
voluntarista, menos aperfeiçoado, começa a se aperfeiçoar porque muitos
criminosos de outros estados estão enxergando no Rio Grande do Norte uma
vulnerabilidade nas suas fronteiras e uma disfuncionalidade do
funcionamento das suas instituições.
Eles estariam enxergando uma "oportunidade de negócio"?
Claro. Isso faz do RN um local onde eles estão encontrando uma
fragilidade e eles estão investido o poder deles. Por exemplo, o governo
do estado de Pernambuco está investindo em segurança pública,
urbanização, iluminação pública, políticas públicas de habitação,
programas para reduzir letalidade contra crianças e adolescentes e para
reduzir o número de homicídios em geral. Está se capacitando para
superar essa onda de violência. Então lá os criminosos não encontram
essa tranquilidade para atuar como aqui no RN.
Então para investir em segurança pública não basta equipar as polícias?
Pela concepção do governo que nós temos, eles agora vão ter que sair da
paralisia em que está. E tenho muito receio que ao invés de haver
segurança, através do esforço que vai ser feito agora, traga mais
violência. É como se o governo fosse obrigado pelas notícias, a agir de
qualquer forma. E vai querer reverter os números sendo truculenta na
periferia. Além do problema da paralisia, temos um problema sério que é o
aparato da segurança ser tensionado para conter essa violência gerando
violência. E essa é uma tentação que eu acho que o governo deveria
fugir. Pois tornaria a situação pior do que está. É preciso um conjunto
de políticas públicas nas áreas de lazer, esporte, cultura, habitação. O
olhar de que segurança pública precisa comprar armas, comprar viaturas e
se preparar, é o olhar de quem está se preparando para uma guerra.
O senhor credita o aumento desses números ao consumo de drogas?
Há uma grande relação, porém acho que a droga que mais mata é o álcool.
Uma droga lícita que continua turbinando a nossa juventude. E também
acho perigosos essa generalização. Imagine uma pessoa humilde que teve
um ente querido assassinado e a televisão e o jornal já diz que aquele
jovem foi morto porque participava, de alguma forma, do esquema de
drogas? O único remédio para isso é investir na investigação policial,
na inteligência e investir na Polícia Técnica, para coleta e produção de
provas que auxiliem o Ministério Público e a justiça.
Os jovens estão no centro dessas questões. Como o senhor enxerga o
processo de recuperação dos menores infratores se até mesmo os centros
estão sem condições de recebê-los?
É a falência da política pública sócio-educativa do governo estadual que
está obrigando a justiça a liberar os jovens infratores. A falta de
cuidado e investimento justificam essa falência. Não falta recurso na
área da publicidade, nem para pagar milhares em diárias. Por que falta
para investir na segurança pública? Está faltando o governo do RN
priorizar a segurança pública. Quando isso não acontece, temos a
explosão no número de homicídios que só vai poder ser revertida com
políticas públicas. Mas não só de segurança e de repressão.
TRIBUNA DO NORTE
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