O Rei do Cangaço, Lampião: personagem mítico-histórico do Nordeste brasileiro é analisado em obra de Eric Hobsbawm
Obra esgotada de Eric Hobsbawm, "Bandidos" ganha nova edição. Livro trata do fenômeno do banditismo social, que teve no cangaço uma de suas manifestações mais famosas
Se precisasse ser traduzido num instantâneo, o livro "Bandidos", de Eric Hobsbawm, poderia dar vez à famosa e polêmica obra do artista brasileiro Hélio Oiticica, da qual tomou-se de empréstimo o título desta resenha. A obra trazia uma reprodução da fotografia do bandido Cara-de-Cavalo, morto pela polícia carioca, como os dizeres "seja marginal, seja herói", logo abaixo da cabeça do cadáver.
Hobsbawm discorre sobre figuras que conjugam a marginalidade e o heroísmo (sobretudo na memória das sociedades, nem sempre coerente com os eventos históricos). O historiador britânico batizou o fenômeno de "banditismo social". No livro, incluiu bandidos quase lendários de diversas partes do mundo, como o personagem do cancioneiro medieval inglês Robin Hood, o separatista italiano Salvatore Giuliano, o fora-da-lei australiano Ned Kelly e nosso rei do cangaço, o pernambucano Lampião.
Em todos estes casos, o próprio meio social conferiu certa legitimidade à atuação transgressora destes personagens - e as origens marxistas do pensamento de Hobsbawm contribuem para isto. Ilegais, porém justos: fórmula perfeitamente traduzida no lema de "roubar dos ricos para dar aos pobres", associado ao famoso ladrão-arqueiro da Floresta de Sherwood.
"Bandidos" apareceu pela primeira vez, em inglês, em 1969. Ganhou tradução brasileira quatro anos mais tarde e desde então se encontrava fora de catálogo. A Paz e Terra (que relançou no ano passado três das principais obras do autor: "A Era das Revoluções", "A Era do Capital" e "A Era dos Impérios") acaba de lançar a tradução brasileira da quarta edição do livro, de 1999, que traz uma série de modificações em relação a versão já conhecida pelo leitor brasileiro. As diferenças vão do reposicionamento de capítulos, supressões e adições ao texto original e a inclusão de novos capítulos.
Carne, osso e imaginação
As modificações se evidenciam numa leitura mais sóbria. Os "bandidos" tornam-se menos simpáticos e mais complexos na nova leitura, feita a partir de uma série de críticas à tese de Eric Hobsbwam. Não que o autor agora a reconheça como equivocada. Contudo, o uso das fontes é mais criterioso e o material da memória é visto com mais desconfiança.
O deslocamento de posição representa um ganho para a obra. A tese de Hobsbwam ficou mais protegida de acusações redutoras que recebeu. Sobretudo a que dizia que sua leitura era demasiado automática, de causa e consequência, tornando os bandidos frutos de um meio, de um espaço e de uma época.
Assim, Lampião, por exemplo, ganha cores diferentes do personagem bravo e heroico como que o imaginário popular tende a identificá-lo. Há nele, decerto, algo de rebelde, de insurgente contra a ordem estabelecida. Contudo, o fim não chega a ser o da revolução, mas uma "correção" forçada desta ordem que, se não o exclui, ao menos o coloca à margem. Diferente de outros modelos de banditismo, como o que inclui a máfia, com uma moral e uma ética próprias, o bandido social não procura criar um ambiente à parte, uma antissociedade. Ele, ao contrário, é um elemento constituinte da sociedade e assim reconhecido, mesmo por seus opositores.
Três tipos
Hobsbawm divide os bandidos sociais em três tipos: o ladrão nobre, o combatente e o vingador. O primeiro é bem encarnado por Robin Hood, que faz justiça por necessidade, que mata apenas quando não há outra alternativa e que é acobertado pelo povo que protege; o combatente é o meio termo entre o bandido e o guerrilheiro, que teve no líder separatista Salvatore Giuliano um de seus exemplares mais célebres. Por vezes, os bandidos combatentes se envolvem em atividades revolucionárias. Já os vingadores tem sua fama ligada à força com que impõe seus atos às elites dominantes. Destes, não se espera ações positivas, podendo mesmo atacar a população pobre. Rico, o livro de Hobsbwam sugere o trânsito de definições do fenômenos reais, bem ilustrado no caso de Lampião. Nobre para uns, vingador para outros.
História
"Bandidos"
Eric Hobsbawm
R$ 45,00
280 PÁGINAS
2010
Paz e Terra
TRADUÇÃO: Donaldson M. Garschagen
DELLANO RIOS
REPÓRTER
Se precisasse ser traduzido num instantâneo, o livro "Bandidos", de Eric Hobsbawm, poderia dar vez à famosa e polêmica obra do artista brasileiro Hélio Oiticica, da qual tomou-se de empréstimo o título desta resenha. A obra trazia uma reprodução da fotografia do bandido Cara-de-Cavalo, morto pela polícia carioca, como os dizeres "seja marginal, seja herói", logo abaixo da cabeça do cadáver.
Hobsbawm discorre sobre figuras que conjugam a marginalidade e o heroísmo (sobretudo na memória das sociedades, nem sempre coerente com os eventos históricos). O historiador britânico batizou o fenômeno de "banditismo social". No livro, incluiu bandidos quase lendários de diversas partes do mundo, como o personagem do cancioneiro medieval inglês Robin Hood, o separatista italiano Salvatore Giuliano, o fora-da-lei australiano Ned Kelly e nosso rei do cangaço, o pernambucano Lampião.
Em todos estes casos, o próprio meio social conferiu certa legitimidade à atuação transgressora destes personagens - e as origens marxistas do pensamento de Hobsbawm contribuem para isto. Ilegais, porém justos: fórmula perfeitamente traduzida no lema de "roubar dos ricos para dar aos pobres", associado ao famoso ladrão-arqueiro da Floresta de Sherwood.
"Bandidos" apareceu pela primeira vez, em inglês, em 1969. Ganhou tradução brasileira quatro anos mais tarde e desde então se encontrava fora de catálogo. A Paz e Terra (que relançou no ano passado três das principais obras do autor: "A Era das Revoluções", "A Era do Capital" e "A Era dos Impérios") acaba de lançar a tradução brasileira da quarta edição do livro, de 1999, que traz uma série de modificações em relação a versão já conhecida pelo leitor brasileiro. As diferenças vão do reposicionamento de capítulos, supressões e adições ao texto original e a inclusão de novos capítulos.
Carne, osso e imaginação
As modificações se evidenciam numa leitura mais sóbria. Os "bandidos" tornam-se menos simpáticos e mais complexos na nova leitura, feita a partir de uma série de críticas à tese de Eric Hobsbwam. Não que o autor agora a reconheça como equivocada. Contudo, o uso das fontes é mais criterioso e o material da memória é visto com mais desconfiança.
O deslocamento de posição representa um ganho para a obra. A tese de Hobsbwam ficou mais protegida de acusações redutoras que recebeu. Sobretudo a que dizia que sua leitura era demasiado automática, de causa e consequência, tornando os bandidos frutos de um meio, de um espaço e de uma época.
Assim, Lampião, por exemplo, ganha cores diferentes do personagem bravo e heroico como que o imaginário popular tende a identificá-lo. Há nele, decerto, algo de rebelde, de insurgente contra a ordem estabelecida. Contudo, o fim não chega a ser o da revolução, mas uma "correção" forçada desta ordem que, se não o exclui, ao menos o coloca à margem. Diferente de outros modelos de banditismo, como o que inclui a máfia, com uma moral e uma ética próprias, o bandido social não procura criar um ambiente à parte, uma antissociedade. Ele, ao contrário, é um elemento constituinte da sociedade e assim reconhecido, mesmo por seus opositores.
Três tipos
Hobsbawm divide os bandidos sociais em três tipos: o ladrão nobre, o combatente e o vingador. O primeiro é bem encarnado por Robin Hood, que faz justiça por necessidade, que mata apenas quando não há outra alternativa e que é acobertado pelo povo que protege; o combatente é o meio termo entre o bandido e o guerrilheiro, que teve no líder separatista Salvatore Giuliano um de seus exemplares mais célebres. Por vezes, os bandidos combatentes se envolvem em atividades revolucionárias. Já os vingadores tem sua fama ligada à força com que impõe seus atos às elites dominantes. Destes, não se espera ações positivas, podendo mesmo atacar a população pobre. Rico, o livro de Hobsbwam sugere o trânsito de definições do fenômenos reais, bem ilustrado no caso de Lampião. Nobre para uns, vingador para outros.
História
"Bandidos"
Eric Hobsbawm
R$ 45,00
280 PÁGINAS
2010
Paz e Terra
TRADUÇÃO: Donaldson M. Garschagen
DELLANO RIOS
REPÓRTER
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