Policiais
não têm o direito de vasculhar os telefones celulares das pessoas que
prendem, sem autorização judicial. Quando o fazem, a “proatividade”
custa caro: leva à anulação das provas encontradas, pois foram obtidas
de maneira ilegal.
Assim, considerando que os responsáveis por prender quatro suspeitos
de roubar talões de cheque e cartões de crédito não tinham autorização
para invadir a intimidade dos detidos, o juiz federal Ali Mazloum negou o
uso de parte do conteúdo obtido pelos policiais a partir das conversas
de WhatsApp nos telefones dos acusados.
Dos detidos em flagrante, dois trabalhavam em uma agência dos
Correios como jovens aprendizes. Eles seriam os responsáveis por separar
as correspondências bancárias e entregá-las aos outros dois homens, que
pagavam R$ 100 por cartão ou talão de cheque. Todos foram acusados por
associação criminosa.
A dupla que atuava dentro da agência foi acusada ainda de peculato,
enquanto os outros dois responderam também pelo crime de receptação.
Ao todo, os agentes mexeram em dois dos quatro celulares, e todos foram enviados posteriormente à perícia.
O juiz Ali Mazloum conta o que foi encontrado: “As conversas entre os
acusados, registradas pelo WhatsApp, denotam planejamento, aspectos
econômicos da empresa criminosa e muito mais. São, portanto, relevantes
os elementos captados pela perícia”, destacou, questionando em seguida
se “seriam lícitas tais provas colhidas pela Polícia sem prévia
autorização judicial”.
Mas o juiz federal afirma que, segundo a Constituição, as provas são
nulas. Ele explicou que os arquivos guardados na memória do celular,
assim como conversas de WhatsApp, estão protegidos pelo sigilo de dados
definido no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal.
“Em tempos de baixo comprometimento com a Constituição Federal,
parece até mesmo politicamente incorreto falar em ilicitude de provas.
Vigora atualmente uma espécie de vale-tudo para enfrentar-se a
criminalidade. O chamado garantismo penal virou sinônimo de impunidade
para a ‘opinião pública’”, criticou Mazloum, ao invalidar as provas.
Destacando o direito à privacidade e à intimidade, o magistrado
também detalhou que o cenário analisado entra na reserva de jurisdição, o
que dá ao juiz “a primeira e última palavra a respeito”. “Não poderia a
autoridade policial requisitar diretamente o acesso aos aparelhos
celulares regularmente apreendidos a teor do permissivo legal do artigo
6º do CPP”, complementou.
Mazloum ponderou que o policial poderiam acessar, durante um
flagrante, os últimos registros telefônicos de celulares ou acompanhar
no viva voz conversas da pessoa detida com comparsa, mas desde que o
objetivo seja localizar outros criminosos que participaram do ato ou
vítimas. Não mais que isso.
“Fora dessa situação emergencial, própria do estado de flagrância, o
acesso a dados do celular exige prévia autorização judicial, sob pena de
nulidade da prova […] Diante da devassa realizada pela polícia em dados
de arquivos dos celulares apreendidos em poder dos acusados, a prova
assim obtida é nula, devendo ser oportunamente, desentranhada dos autos,
porquanto são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito”,
finalizou Mazloum.
As provas encontradas nos celulares foram descartadas, mas, ao fim,
todos os réus foram condenados a penas alternativas, incluídos serviços
comunitários e multa de um salário mínimo a ser pago a uma entidade
assistencial. Isso porque as outras provas do caso não tinham relação
com as conversas de WhatsApp acessadas de forma ilegal.
Cabo Glaucia
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