Um mouro das caatingas, um
personagem de Graciliano Ramos, a identificação plena com a humildade
extrema. Aliatá Chaves de Queiroz,
ex-prefeito de Pau dos Ferros, foi o político menos formal da história
do Rio Grande do Norte. O político menos político. No desenho e na
sobrevivência de um intruso entre os poderosos.
A morte de Aliatá Chaves, um consentido no conservadorismo entranhado
nas veias do interior em seu revezamento familiar, uniu a plebe em
pranto. A chegada do seu corpo transformou um sepultamento em procissão
de uma imagem de mãos postas. De alguém que não foi nem jamais desejou
ser santo. Sem caricatura, um sucupirano de Dias Gomes.
Aliatá Chaves, de barba à Raul Seixas, formou-se em Medicina na turma dos famosos excedentes, que foram transferidos de Natal após o vestibular e por falta de vagas, para a Faculdade de Manaus. Urologista, na prática foi um clínico geral de consultório ambulante.
Um tímido que se entendia à primeira vista com a simplicidade que ostentava nas vestes franciscanas e frontais, um tapa na hipocrisia que não permitia um “doutor” de comportamento tão puro, pacato e oposto a narcisismo.
Com Aliatá Chaves, sem ideologias ou dogmas, Esquerdas ou Direitas, Marxismos ou leituras de Roberto Campos em seu currículo, vai-se o Cantinflas da política oestana.
Personagem de literatura legítima , contada por seus amigos que ainda lacrimejam sua partida, aos 70 anos, de ataque cardíaco após longa enfermidade. Aliatá daria um belo romance, escrito com prosa de humor e alegria, do jeito que ele viveu.
>>>
Aliatá receitava pacientes nas esquinas, nas feiras, nos bares. Nas praças. Nos botequins. No açougue de Pau dos Ferros, uma madame da pretensiosa burguesia da cidade, daquelas de cabelo penteado ao estilo Arco do Triunfo, lhe desconheceu rodeado de pingunços. Ela comprou seu peixe, olhou para o “Baiba”, como era conhecido e, sem finesse, ordenou:
– O senhor limpe os peixes pra mim!
Quando Aliatá, calmo como um Iniesta enfiando uma bola métrica se preparava para atender à determinação, um dos bêbados intercedeu:
– Minha senhora, ele é o Dotô Aliatá, o Nosso Grande Médico!
A mulher manchou a maquiagem, pediu desculpas e saiu deslizando os sapatos no lamaçal. Aliatá não perdoou os comparsas:
– Imbecis! Eu ia carregar os peixes para a gente comer com cana e deixar essa mulher besta falando sozinha. Aí, você, foi atrapalhar…
O consultório oficial de Aliatá Chaves – de uma inutilidade bestial pois seu universo eram as andanças e os atendimentos, o calor humano, ficava na Rua da Independência, das mais movimentadas de Pau dos Ferros.
Lá estava ele escorado no muro, cercado de papudinhos, de moedores de cana e desocupados, quando chegou uma morena de traços indígenas e seios fartos de invejar a cantora Fafá de Belém.
– Doutor Aliatá, foi Deus que fez a gente se encontrar! Por favor, me arrume o dinheiro do leite dos meus dois meninos, me acuda !
O “Baiba” só fez coçar a barriga saliente para responder:
– Pra quê você quer essa ruma de peito mulher? Aí tem leite que duzentas vacas não têm! Vá dar de mamar aos meninos no lugar de “tá” pedindo dinheiro…
A popularidade de Aliatá Chaves o arremessou à política. Uma contradição. Era um pombo entre tantos gatos. Em 1982, foi eleito vice-prefeito de José Fernandes de Melo, ex-deputado estadual e três vezes comandante de Pau dos Ferros.
Também médico e lendário político do Alto Oeste, sogro do ex-deputado federal João Faustino, pai do ex-deputado Elias Fernandes e avô do hoje deputado estadual Gustavo Fernandes.
Em 1986, eleição para o Governo do Estado, romperam. José Fernandes ficou com o genro, João, candidato do agripinismo. Aliatá empolgou-se com a oratória do empresário Geraldo Melo e os seus símbolos de mudanças em cataventos.
Subiu pela primeira vez num palanque e pronunciou quatro letras: “PMDB”. Nervoso, teve uma diarreia e foi levado para casa. Geraldo venceu na terra da família do adversário por 128 votos.
Geraldo Melo governador, Aliatá Chaves enfrenta, a contragosto, os 404 quilômetros que separam sua cidade da capital, como chefe político do PMDB para a reunião com o poder estabelecido. Trouxe o seu staff, formado por Sebastião Batalha Filho, o Batalhinha, Zé Calhambeque e Luca Cão.
>>>
O matuto com trajes de roçado, chapéu de palha, sentiu na pele a força da geopolítica: O exército da vitória nunca é o da ocupação. Assustado, passou cinco minutos contemplando a arquitetura neoclássica do Palácio Potengi.
Seus três companheiros pregaram-lhe uma peça. A mando de Batalhinha, se esconderam e o deixaram subir, sozinho, os degraus seculares da escada de madeira. Batalhinha, antes, lhe apontou a porta principal que dava para a antessala do governador.
– O que o senhor está fazendo aqui?, interrogou o presunçoso, perfumado e bem vestido assessor que, do Rio Grande do Norte, conhecia somente o mapa.
– Vim falar com o governador-, respondeu Aliatá, morrendo de medo de ser preso.
– O senhor não pode ficar!, insistia o aspone, até que um servidor, Emerson Almeida, o Xuxa, alegre figura de Ceará-Mirim, abriu as comportas do afeto:
– Doutor Aliatá!, seja muito bem-vindo, a casa é sua!
Antes de guardar o babador imaginário, o puxa-saco pediu desculpas. Aliatá fez que não ouviu.
O governador Geraldo Melo abriu a porta do gabinete, tirou o paletó, a gravata, deu um longo abraço no correligionário e decretou sem assinar formalmente o ato:
– Entra meu amigo bicho-do-mato, vamos conversar até a gata miar, cadê a faca?
– Tá aqui, na cintura, levantou a camisa Aliatá, mostrando a inseparável 12 polegadas.
Com Geraldo Melo, Batalhinha, Zé Calhambeque e Luca Cão, resolveu até tarde da noite os pleitos políticos de Pau dos Ferros.
Umas 500 colunas não seriam suficientes para contar todas as histórias do “Baiba”, derrotado para prefeito em 1988 e eleito em 1992. Tomou posse à meia-noite, povão nas ruas cantando, bêbados, putas, bares abertos, cachaça fechando o estoque.
Só um biógrafo qualificado para honrar a memória de Aliatá Chaves. Barriga de fora, desajeitado, feio, cabeludo, olhar em diagonal diagnosticando os homens. O único político que se fez, sem pieguice, mistura homogênea com os pobres. Seu canto de saudade.
Créditos da imagem: Toinho Dutra. Fonte do artigo: http://jornaldehoje.com.br/para-os-pobres/
Aliatá Chaves, de barba à Raul Seixas, formou-se em Medicina na turma dos famosos excedentes, que foram transferidos de Natal após o vestibular e por falta de vagas, para a Faculdade de Manaus. Urologista, na prática foi um clínico geral de consultório ambulante.
Um tímido que se entendia à primeira vista com a simplicidade que ostentava nas vestes franciscanas e frontais, um tapa na hipocrisia que não permitia um “doutor” de comportamento tão puro, pacato e oposto a narcisismo.
Com Aliatá Chaves, sem ideologias ou dogmas, Esquerdas ou Direitas, Marxismos ou leituras de Roberto Campos em seu currículo, vai-se o Cantinflas da política oestana.
Personagem de literatura legítima , contada por seus amigos que ainda lacrimejam sua partida, aos 70 anos, de ataque cardíaco após longa enfermidade. Aliatá daria um belo romance, escrito com prosa de humor e alegria, do jeito que ele viveu.
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Aliatá receitava pacientes nas esquinas, nas feiras, nos bares. Nas praças. Nos botequins. No açougue de Pau dos Ferros, uma madame da pretensiosa burguesia da cidade, daquelas de cabelo penteado ao estilo Arco do Triunfo, lhe desconheceu rodeado de pingunços. Ela comprou seu peixe, olhou para o “Baiba”, como era conhecido e, sem finesse, ordenou:
– O senhor limpe os peixes pra mim!
Quando Aliatá, calmo como um Iniesta enfiando uma bola métrica se preparava para atender à determinação, um dos bêbados intercedeu:
– Minha senhora, ele é o Dotô Aliatá, o Nosso Grande Médico!
A mulher manchou a maquiagem, pediu desculpas e saiu deslizando os sapatos no lamaçal. Aliatá não perdoou os comparsas:
– Imbecis! Eu ia carregar os peixes para a gente comer com cana e deixar essa mulher besta falando sozinha. Aí, você, foi atrapalhar…
O consultório oficial de Aliatá Chaves – de uma inutilidade bestial pois seu universo eram as andanças e os atendimentos, o calor humano, ficava na Rua da Independência, das mais movimentadas de Pau dos Ferros.
Lá estava ele escorado no muro, cercado de papudinhos, de moedores de cana e desocupados, quando chegou uma morena de traços indígenas e seios fartos de invejar a cantora Fafá de Belém.
– Doutor Aliatá, foi Deus que fez a gente se encontrar! Por favor, me arrume o dinheiro do leite dos meus dois meninos, me acuda !
O “Baiba” só fez coçar a barriga saliente para responder:
– Pra quê você quer essa ruma de peito mulher? Aí tem leite que duzentas vacas não têm! Vá dar de mamar aos meninos no lugar de “tá” pedindo dinheiro…
A popularidade de Aliatá Chaves o arremessou à política. Uma contradição. Era um pombo entre tantos gatos. Em 1982, foi eleito vice-prefeito de José Fernandes de Melo, ex-deputado estadual e três vezes comandante de Pau dos Ferros.
Também médico e lendário político do Alto Oeste, sogro do ex-deputado federal João Faustino, pai do ex-deputado Elias Fernandes e avô do hoje deputado estadual Gustavo Fernandes.
Em 1986, eleição para o Governo do Estado, romperam. José Fernandes ficou com o genro, João, candidato do agripinismo. Aliatá empolgou-se com a oratória do empresário Geraldo Melo e os seus símbolos de mudanças em cataventos.
Subiu pela primeira vez num palanque e pronunciou quatro letras: “PMDB”. Nervoso, teve uma diarreia e foi levado para casa. Geraldo venceu na terra da família do adversário por 128 votos.
Geraldo Melo governador, Aliatá Chaves enfrenta, a contragosto, os 404 quilômetros que separam sua cidade da capital, como chefe político do PMDB para a reunião com o poder estabelecido. Trouxe o seu staff, formado por Sebastião Batalha Filho, o Batalhinha, Zé Calhambeque e Luca Cão.
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O matuto com trajes de roçado, chapéu de palha, sentiu na pele a força da geopolítica: O exército da vitória nunca é o da ocupação. Assustado, passou cinco minutos contemplando a arquitetura neoclássica do Palácio Potengi.
Seus três companheiros pregaram-lhe uma peça. A mando de Batalhinha, se esconderam e o deixaram subir, sozinho, os degraus seculares da escada de madeira. Batalhinha, antes, lhe apontou a porta principal que dava para a antessala do governador.
– O que o senhor está fazendo aqui?, interrogou o presunçoso, perfumado e bem vestido assessor que, do Rio Grande do Norte, conhecia somente o mapa.
– Vim falar com o governador-, respondeu Aliatá, morrendo de medo de ser preso.
– O senhor não pode ficar!, insistia o aspone, até que um servidor, Emerson Almeida, o Xuxa, alegre figura de Ceará-Mirim, abriu as comportas do afeto:
– Doutor Aliatá!, seja muito bem-vindo, a casa é sua!
Antes de guardar o babador imaginário, o puxa-saco pediu desculpas. Aliatá fez que não ouviu.
O governador Geraldo Melo abriu a porta do gabinete, tirou o paletó, a gravata, deu um longo abraço no correligionário e decretou sem assinar formalmente o ato:
– Entra meu amigo bicho-do-mato, vamos conversar até a gata miar, cadê a faca?
– Tá aqui, na cintura, levantou a camisa Aliatá, mostrando a inseparável 12 polegadas.
Com Geraldo Melo, Batalhinha, Zé Calhambeque e Luca Cão, resolveu até tarde da noite os pleitos políticos de Pau dos Ferros.
Umas 500 colunas não seriam suficientes para contar todas as histórias do “Baiba”, derrotado para prefeito em 1988 e eleito em 1992. Tomou posse à meia-noite, povão nas ruas cantando, bêbados, putas, bares abertos, cachaça fechando o estoque.
Só um biógrafo qualificado para honrar a memória de Aliatá Chaves. Barriga de fora, desajeitado, feio, cabeludo, olhar em diagonal diagnosticando os homens. O único político que se fez, sem pieguice, mistura homogênea com os pobres. Seu canto de saudade.
Créditos da imagem: Toinho Dutra. Fonte do artigo: http://jornaldehoje.com.br/para-os-pobres/
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