O governo brasileiro anunciou, nesta sexta-feira (7/04), o retorno do Brasil à União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
A medida foi tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que assinou um decreto promulgando o tratado de constituição do grupo, criado em 2008.
Na prática, Lula reverteu uma decisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que em 2019, retirou o Brasil, oficialmente, da Unasul.
Segundo nota divulgada pelo governo brasileiro, a decisão é reflexo da nova política externa do país sob o governo Lula.
“Em um momento de retomada de suas principais alianças internacionais, o Brasil voltará a fazer parte da União de Nações Sul-Americanas (Unasul)”, diz um trecho da nota.
O movimento do governo brasileiro era uma das promessas de campanha de Lula, em 2022, e fazia parte das diretrizes do seu programa de governo entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Mas, afinal, o que é a Unasul?
A criação de um grupo que reunisse países da América do Sul começou a ser debatida em 2004, quando Lula estava em seu primeiro mandato. A Unasul só foi criada, porém, quatro anos mais tarde, em 2008.
O grupo foi inicialmente formado por doze países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. Sua sede fica em Quito, no Equador.
De acordo com o seu tratado de criação, a Unasul tem como objetivos criar um espaço de “integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político” entre seus países-membros e “com com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica” existente na região.
A presidência do grupo é exercida por nomes indicados por seus países-membros em mandatos de um ano e trocados de forma rotativa seguindo a ordem alfabética dos nomes dos países.
Entre as atribuições do grupo está a realização de reuniões entre chefes-de-estado para debater questões que possam afetar a estabilidade da região e criar mecanismos que aumentem a integração econômica, financeira, política e social dos países-membros.
Críticos, no entanto, argumentam que a Unasul tinha pouca efetividade e suas funções seriam pouco concretas e que alguns dos temas debatidos pelo grupo poderiam ser discutidos em outros fóruns já existentes.
Nos últimos anos, diversos países suspenderam suas participações na Unasul ou deixaram a instituição. Até o anúncio do retorno do Brasil, a Unasul contava com apenas cinco dos 12 integrantes originais: Bolívia, Guiana, Suriname, Venezuela e Peru, que está suspenso.
Em 2017, o grupo viveu um impasse depois que a Venezuela, com apoio da Bolívia, vetou o nome indicado pela Argentina para assumir a secretaria-geral da Unasul, paralisando, em parte, as atividades do organismo.
Em meio à controvérsia, Brasil, Peru, Paraguai, Colômbia e Chile anunciaram a suspensão de suas participações na Unasul em meio a disputas sobre os rumos da instituição, em abril de 2018.
O esvaziamento da Unasul aconteceu no mesmo momento em que houve uma mudança no perfil dos líderes de alguns dos países que compõem o grupo.
À época em que foi criado, parte significativa dos países que compunham o órgão era comandada por políticos de esquerda ou centro-esquerda como Lula (Brasil), Michelle Bachellet (Chile), Hugo Chávez (Venezuela), Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador).
A partir de segunda metade da década do século 20, líderes de centro-esquerda foram substituídos por políticos de direita ou centro-direita.
Foi o caso, por exemplo, de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro, no Brasil, Maurício Macri, na Argentina e Sebastian Piñera, no Chile, em 2018.
Em 2019, foi a vez do Equador se retirar do grupo. A situação ficou ainda mais sensível depois que o então presidente do país, Lenín Moreno, pediu a devolução do prédio onde funcionava a sede da Unasul e anunciou que não faria mais nenhuma contribuição financeira à instituição.
Moreno era um político de centro-esquerda, mas era adversário político de seu antecessor, Rafael Correa, um dos fundadores da Unasul.
A saída oficial do Brasil da Unasul aconteceu em 2019, durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro. Ele retirou o país do grupo e endossou a adesão do Brasil a um outro organismo, o Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosul).
Ainda não está claro se, sob o governo Lula, o Brasil continuará a fazer parte do Prosul ou não.
Por que Lula decidiu colocar o Brasil de novo na Unasul?
O retorno do Brasil à Unasul segue a mesma linha da política externa dos dois primeiros governos do presidente Lula.
Nas últimas décadas, o petista frequentemente defendeu uma maior integração dos países sul-americanos como uma forma de trazer uma suposta autonomia da região em áreas como a economia, infraestrutura e estabilidade política.
Em seu discurso de posse no Congresso Nacional, em janeiro deste ano, Lula já havia dado indicações de que o Brasil poderia retornar à Unasul.
“Nosso protagonismo se concretizará pela retomada da integração sul-americana, a partir do Mercosul, da revitalização da Unasul e demais instâncias de articulação soberana da região”, disse.
Durante seus dois primeiros mandatos, por exemplo, o Brasil e outros países da região lançaram projetos para intensificar a criação de projetos de infraestrutura na região como a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IRSAA).
No artigo “Autonomia, integração regional e política externa brasileira: Mercosul e Unasul”, publicado em 2014, os professores e pesquisadores de Relações Internacionais Tullo Vigenani e Haroldo Ramanzini Júnior argumentam que o empenho do Brasil na formação da Unasul teria como um dos focos a criação de uma “polaridade sul-americana” que seja autônoma em relação a potências como os Estados Unidos.
“O forte interesse brasileiro na formação da Unasul indica uma nova forma de compreender o que seja autonomia na política externa. No período 1986-1999 prevalecia a ideia de que a integração alavancaria a projeção conjunta, no mundo, da Argentina e do Brasil. Hoje, anos 2010, alguns objetivos estratégicos do país conectam-se com a cooperação na América do Sul, entre eles o de uma polaridade sul-americana, não subalterna, autônoma mas não antagônica aos países centrais, particularmente aos Estados Unidos”, escreveram os pesquisadores.
Os críticos da política externa do petista, no entanto, argumentam que a política externa do Brasil na época era marcada por um forte viés ideológico, uma vez que parte dos países da região eram comandados por líderes de esquerda.
“Libertaremos o Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com viés ideológico a que foram submetidos nos últimos anos. O Brasil deixará de estar apartado das nações mais desenvolvidas”, disse Bolsonaro em um dos seus pronunciamentos logo após sua vitória no segundo turno das eleições de 2018.
Além disso, há críticas sobre uma agenda marcada pela criação de fóruns multilaterais em um momento em que diversos países do mundo tentam dinamizar a integração regional a partir de acordos bilaterais.
A política externa de Bolsonaro, no entanto, também foi criticada justamente pelo seu suposto componente ideológico. Durante sua gestão, o presidente mostrou um alinhamento forte com os Estados Unidos enquanto o país era comandado pelo republicano Donald Trump, além de demonstrar e receber apoio de líderes de direita europeus como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbn.
A expectativa nos meios diplomáticos, agora, é de que a eleição de novas lideranças alinhadas à centro-esquerda em países como o Brasil, Colômbia (com Gustavo Petro) e Chile (com Gabriel Boric) possa dar um novo impulso a iniciativas como a Unasul.
Antes de o Brasil anunciar o seu retorno, a Argentina, no final de março deste ano, já havia anunciado que tomaria providências para regressar ao grupo.
BBC
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