Torturador da Presidenta Dilma dá entrevista
O torturador da presidenta Dilma, tenente-coronel Maurício Lopes Lima não permitiu que se fizesse foto atual dele, mas o IG reproduziu uma fotografia do fardado de décadas passadas
Há coisas que passam pelas vistas dos leitores e eles ignoram. Às vezes são publicadas determinadas entrevistas pela mídia e não se sabe por que não repercutem como deveriam.
A entrevista de um oficial do Exército brasileiro que torturou a presidenta Dilma foi um desses assuntos que poucos comentaram. Por que? Afinal aquele homem foi acusado pelo Ministério Público Federal de participar da morte de seis presos políticos e torturar outras 20 pessoas, entre elas a presidenta Dilma Rousseff. Falamos do tenente-coronel reformado do Exército Maurício Lopes Lima que descreve a violência nos porões da ditadura como algo “corriqueiro”. Na mesma semana em que o presidente Luís Inácio Lula da Silva declarou que o torturador de sua sucessora hoje deveria estar se torturando, a reportagem do iG encontrou o militar levando uma vida de sombra, sol e água fresca na praia das Astúrias, no Guarujá em São Paulo.
Hoje aposentado (reformado), ele fala tranquilamente sobre os acontecimentos relatados em 39 documentos que serviram de base para a ação civil pública ajuizada na 4ª Vara Cível contra ele. Questionado sobre o uso da tortura nos interrogatórios, comentou: “Era a coisa mais corriqueira que tinha”, afirmou. Embora negue ter torturado Dilma, ele admite que teve contato com a presidenta eleita. Diz que na época não podia sequer imaginar que a veria na Presidência. “Se soubesse naquela época que ela seria presidenta teria pedido: “Anota meu nome aí. Eu sou bonzinho”, afirmou.
A ação aberta contra Lima e os demais acusados – dois ex-militares e um ex-policial civil – se refere ao período entre 1969 e 1970, quando Lima e outros três acusados integraram a equipe da Operação Bandeirante e do DOI-Codi, ambos protagonistas da repressão política durante a ditadura militar (1964-1985). Entre os documentos, está um depoimento de Dilma à Justiça Militar, em 1970, no qual ela pede a impugnação de Lima como testemunha de acusação, alegando que o então capitão do Exército era torturador e, portanto, não poderia testemunhar.
“Pelos nomes conhece apenas a testemunha Maurício Lopes Lima, sendo que não pode ser considerada a testemunha como tal, visto que ele foi um dos torturadores da Operação Bandeirante”, diz o depoimento de Dilma. Na época com 22 anos, a hoje presidenta eleita foi presa por integrar a organização de esquerda VAR-Palmares. No mesmo depoimento Dilma acusa dois homens da equipe de Lima de ameaçá-la de novas torturas quando ela já havia sido transferida para o presídio Tiradentes. Ela teria questionado se eles tinham autorização judicial para estarem ali e recebido a seguinte resposta: “Você vai ver o que é juiz lá na Operação Bandeirante”.
Outros depoimentos deixam mais evidente a ação do militar, como o do frade dominicano Tito de Alencar Lima, o Frei Tito, que descreve em detalhes como foi colocado no pau-de-arara e torturado por uma equipe de seis homens liderados por Lima. “O capitão Maurício veio buscar-me em companhia de dois policiais e disse-me: “Você agora vai conhecer a sucursal do inferno”, diz um trecho do depoimento, no qual ele diz ter recebido choques elétricos e “telefones” (tapas na orelha), entre outras agressões.
O então capitão do Exército é acusado também de ter participado da morte de Vírgilio Gomes da Silva, o “Jonas” da ALN, outra organização de esquerda que defendia a luta armada. Líder do sequestro do embaixador dos EUA Charles Elbrick, Virgílio foi assassinado no DOI-Codi, conforme admitiu oficialmente o Exército em 2009. Lima nega todas as acusações. Leia abaixo trechos da entrevista concedida por Lima ao iG:
Como era chegar em casa e pensar que uma moça como a Dilma, de vinte e poucos anos, havia sido torturada?
Nunca comentei isso com ninguém, mas desenvolvi um processo interessante. Eu não voltava mais para casa, pois achava que podia morrer a qualquer momento. Me isolei dos amigos e das pessoas que gostava. O quanto mais pudesse ficar longe melhor. Era uma fuga.
O senhor fugia do que?
De uma realidade. Eu sabia que ia morrer. Minha mulher estudava história na USP. Ela soube por terceiros que eu estava no DOI-Codi. As colegas dela todas presas.
Então não era a tortura que o incomodava?
É como um curso na selva. No primeiro dia você vê cobras em todo canto. No terceiro dia você toma cuidado. Depois do décimo dia passa um cobra na sua frente e você chuta. É adaptação.
Se tornou uma coisa banal?
Sim.
E hoje em dia o que o senhor pensa daquilo?
Penso que só é torturado quem quer. Agi certo. Arrisquei minha vida. Não tive medo. Não tremi, não. E não torturei ninguém. Pertenci a uma organização triste, sim. O DOI-Codi, a Operação Bandeirante eram grupos tristes.
O senhor está pesquisando no projeto Brasil Nunca Mais para preparar sua defesa?
Sim. Primeiro porque não sei quem falou. Uns me citam, outros “ouvi dizer”.
O MPF cita sua participação em torturas contra 16 pessoas.
É. Outro que me deixa fulo da vida é o Diógenes Câmara Arruda (ex-dirigente do PCB preso na mesma época que Dilma). Ele faz a minha ligação como torturador dele e o CCC (Comando de Caça aos Comunistas, grupo de extrema direita que atuou nas décadas de 60 e 70). Eu tinha uma bronca desgraçada do CCC. Me referia a eles como “aqueles moleques chutadores de porta de garagem”. É o que eles eram. Nunca tive nada com o CCC.
O senhor também é acusado de participar da morte do Virgílio Gomes da Silva (o “Jonas” da ALN, morto no DOI-Codi em 29 de setembro de 1969).
Me acusam de ter matado o Virgílio e de ter torturado o filhinho dele (então com quatro meses de idade). Eu não estava lá e demonstro para quem quiser ver (se levanta e pega um livro do Exército com os registros de todas suas mudanças e transferência ao longo da carreira). Isso são minhas folhas de alterações militares. Pode olhar aí. Fui transferido para a Operação Bandeirante no dia 3 de outubro. O Virgílio foi morto no dia 29 de setembro.
Não havia entre os militares a questão moral de que a tortura desrespeita os direitos humanos?
A tortura diz respeito a direitos humanos e o terrorismo também.
Um erro justifica o outro?
Estão ligados. Tortura no Brasil era a coisa mais corriqueira que tinha. Toda delegacia tinha seu pau-de-arara. Dizer que não houve tortura é mentira, mas dizer que todo delegado torturava também é mentira. Dependia da índole. As acusações não podem ser jogadas ao léu. Têm que ser específicas. Eu sei quem torturava e não era só no DOI-Codi, era no Dops também. Mas eu saber não quer dizer que eu possa impedir e nem que eu torturasse também. A tortura é válida para trocar tempo por ação.
Quem torturava?
O maior de todos eles já morreu e não dá para falar dos mortos.
Alguma vez o senhor contestou a prática de tortura no DOI-Codi?
Não porque existia um responsável maior, o comandante do DOI-Codi. Eu fiz a minha parte. Se eu fosse mandado torturar, não torturaria. Outros não. O Fleury (delegado Sérgio Paranhos Fleury), por exemplo, até dava um sorriso.
* * *
Caros amigos, foram colocados apenas trechos dessa entrevista para não chocá-los. Agora vocês tirem suas conclusões sobre o caráter desse fardado.
Bom fim de semana!
Nota: A entrevista ficou disponível no Portal IG em 28/11/2010
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